sexta-feira, 16 de outubro de 2009

"Miojo de copinho" - 16/10/09

Subi as escadas rolantes com pressa, porque a fome estava me tirando a paciência.
Tinha duas preocupações:
1 - a lanchonete estaria aberta?
2 - aceitariam meu cartão de débito?
Eu não tinha R$1,00, sequer, no bolso.
Ao chegar no caixa, já aliviado, quando vi o adesivo da "bandeira" do meu cartão, uma senhora com cerca de 75 anos se aproximou e pediu:
- Moço, paga um "miojo" para mim?
Imediatamente, respondi que sim e a questionei se ela queria algo mais nutritivo, algo que lhe desse maior sustância.
- Não moço, só macarrãozinho daqueles de "copinho", sabor galinha caipira. Gosto desse!
Em meu pensamento, uma revolução angustiante. Não tive coragem de fitar diretamente os olhos doces e azuis daquela senhora - poderia ser minha avó, mas não era. Era apenas mais uma órfã dessa vida.
Fiz o meu pedido e, enquanto esperava, a senhora não desviava a atenção ao que o atendente fazia, atrás do balcão. Notando isso e entendendo sua aflição, disse ao funcionário, em voz alta, que entregasse o tal "miojo de copinho" para a senhora. Ela sorriu.
Distanciei-me um pouco. Ela veio atrás de mim e disse:
- Você tem um sorriso lindo! Seu sorriso vale mais do que vinte mil reais.
Franzi minha testa e questionei sua afirmação. Ela respondeu:
- Os implantes dentários são muito caros. Quando você me sorriu, notei que seus dentes são lindos e perfeitos. Você não precisa de implante, então significa que você tem v i n t e m i l r e a i s. Ela disse pausadamente.
Sorri.
Quando recebeu o que fora pedido, a senhora comeu, avidamente. Lançou-me um novo olhar composto de vergonha e gratidão.
- Muito obrigada, moço!
Uma garfada, quase queimando a língua e:
- Muito obrigada, moço!
- Moço, obrigada e que deus lhe abençoe!
- Moço, obrigada viu?
Aquilo tornou-se um mantra aos meus ouvidos. A senhora continou se repetindo, incansavelmente.
Passei por ela, passei as mãos em sua face e fui embora.
Sou exatamente igual a ela. A única diferença é que, por sorte, a lanchonete aceitava o meu cartão. Tivemos, eu e a pobre velha, sorte. Caso contrário, continuaríamos com a mesma fome.
Dessa vez, não fui embora com culpa.
Na falta visível de um grande pai, fui o irmão mais novo daquela a quem nem ao menos perguntei o nome.
Nossa fome era demais, para lembrar desses detalhes.

Adriano Gustavo di Andrade

Um comentário:

merry disse...

Adorei o texto!!! Essa semana estava comentando algo parecido com uma colega, que as pessoas se afastam de tal maneira de moradores de rua, como se fossem diferentes destas.
Mas será pedir muito ver que ali tem um ser humano que algum dia também teve sonhos e as vezes também tem desejos, mesmo que seja de um simples miojo?!
Mas quero também concordar com essa senhora que realmente você tem um sorriso lindo Gus!