quarta-feira, 27 de outubro de 2010

comer rezar amar - 27-10-2010

Dos três verbos que compõem o titulo do romance best seller adaptado para o cinema, o de mais originalidade básica, de caráter inicial - pelo menos no plano carnal - é COMER. Sim, somos alimentados desde a gestação e passamos a comer até os últimos dias.
Certo dia senti uma tristeza inexplicável ao ver centenas de pessoas num supermercado, lotando os seus carrinhos (não vou entrar no mérito do saudável ou não), pagando valores altíssimos ou nem tanto assim pra pagar. Enfim, é uma condenação. Mas, falemos do prazer, na obra, o que é levado em conta é o prazer das delícias e das sensações que as ervas, temperos, especiarias causam ao nosso corpo após agirem no sistema límbico.
Seguindo a sequencia hierárquica, vem rezar. Engana-se quem pensa que amar é prioritário. Não arredo minha convicção de que o amor é aprendido e, para tanto, precisa passar pelo aprendizado do espírito, da fé. Pois bem. Rezar: saí do cinema com uma vontade enorme de recitar mantras. Sou de formação budista e, portanto, cultivo a parte espiritual, de um alcance que vaza o infringido terreno. Gosto de mais. Algo além das palavras, mas dentro delas ao mesmo tempo com sua substância e valor onírico. Pelo verbo quero atingir as esferas do que Deus representa e nos foi ensinado, mas com um adendo, sempre o encontro em mim.
Amar. Amar é espetáculo e mistura, mas também é poesia, analgésico e ilusão necessária. Amo também. Sempre iremos amar. Ou, ao menos nomear o caos de um determinado sentir, de amor.
Essas impressões me vieram à superfície do pensamento, quando deixei a sala de projeção, onde havia me deliciado com a atuação deliciosa de J. Roberts; do bonito e sensível brasileiro vivido por J. Barden; pelas canções brasileiras de Bebel Gilberto (povo brasileiro pouco conhece) e João Gilberto; dos cenários encantadores da Itália; do caos necessário na Índia e, fechando com a beleza natural que nos subjulga em Bali.
Obra de arte completa e cíclica. Não consigo ficar incólume a isso.

Adriano Gustavo di Andrade

domingo, 10 de outubro de 2010

Escrevo porque minhas palavras assexuadas te excitam mais do que minha voz, meu afago, meu beijo, meu falo...
Escrevo, ainda, por vaidade pura.
E porque sei que, estando preso por esses verbos, será fácil possuir-te, quando sentir o vapor quente do meu hálito.
Escrevo, porque já não resta muita defesa nesse mundo
E pra não me tornar ainda mais cego, escravizo as palavras para me servirem de bússola nessa estrada indivisível sem direção.
Escrevo para que não haja ponto final. Que a vírgula seja o indicativo dessa insígnia que vou te deixar.
Está infeccionado.
A febre não cessa e, envolto em delírios, confundimos a medida de amar com a de não estarmos sós.
No meio dessa lacuna - lack - incluímos qualquer adereço.
Escrevo porque tu me fizeste calar e só essas palavras são capazes de me encher de glória e triunfar sobre a sua nescilidade.
Estou vivo. Sinto. Amanheço e desfarço!
Não admito que tu te envolvas nos resultados que a quiromante viu na ponta dos meus dedos. Antes, os tivesse visto nas marcas da minha língua já tão visitada.
Receio, agora, que me perdi.
A escrita, entre todos os seus perigos, tem o poder infinito do entorpecimento e da lucidez.
Escrevo, portanto, para praticar essas duas armas e abater-te como ave de rapina, mas te ofereço a fuga. Com isso tu te tornas ainda menor diante da minha audácia de prender-lhe quando bem entendo e de soltar-lhe por pura pena.
Lê, entra por esse labirinto de mil minotauros.
Orientados por Dionísio, farão com que você desfaleça de prazer.
Mas não se esqueça:
Escrevo, porque sei o modo com o qual se executa a sua leitura.

sábado, 25 de setembro de 2010

Corpo Vivo - 17/09/2010

Sexta-feira,
Meu corpo ainda sentia os efeitos das descargas de estress recebidos, durante o horário comercial.
Sozinho, entrei pela porta do SESC Pinheiros. Suas instalações impecáveis sempre me deixam satisfeitíssimo.
Fui à bilheteria, comprei meu ticket para assistir ao espetáculo "Corpo vivo" de Ivaldo Bertazzo - uma criação repleta de técnica, motivação e elegância.
Ingresso garantido - bem à frente - subi para o piso superior, onde está locada a comedoria. Servi-me de uma salada deliciosa - alface crespa, presunto, berinjela, milho e mostarda com mel. Ainda não totalmente satisfeito, saboreei-me com um creme de cupuaçu e coco queimado. Finalizei com um café. Tudo servido com louças, talheres e detalhes respeitosos.
Por um momento, percebi que algumas pessoas me lançavam olhares de estranheza - não me interessou muito o por que, com exceção de uns dinamarqueses que estavam, às dezenas, visitando uma instalação no hall principal. Lindos aliás.
Na mesma oportunidade, recebi, cordialmente servido por um rapaz "in black" uma taça de espumante. Um burburinho estelar, por causa de uma leitura que Chico Buarque faria, em instantes, de textos de Saramago.
Recebo um sms: " voce está onde não lhe poderia ser melhor. Em meio à arte e a cultura". Um amigo feliz por mim.
Na entrada da sala de espetáculo, um aroma especial, liberado por uma máquina vaporizadora no palco, compunha a recepção.
Em resumo: figurinos, movimentos, textos, músicas, conjunto. O presente estava dado.
Revelei a um amigo o resultado do meu sentir, após o epetáculo: ÊXTASE...
Fui embora, muito rapidamente, pois já passava das 23:00. Mas, não antes de capturar uma foto de uma pedra oval iluminada. Lembrou-me "O ovo e a galinha".
A noite estava completa e eu senti meu corpo ainda mais vivo.

Adriano Gustavo di Andrade

sábado, 18 de setembro de 2010

Oscilação! 14/09/2010

Essa alegria me dando tristeza
Esse prenúncio de amor
Esse descaso da solidão
Essa luz oscilante que não se apaga.

O amor é assim:
Sem semente
Sem flor
Sem fruto
Sem você.
Sertão!

Alarme de efeito moral, mantendo-me cônscio - desperto.

O amor chegando.
Encontrei um ponto seco em minha garganta
O rei ordenou a abertura das comportas
O silêncio foi ouvido no motim.

Que foi isso Arísia?
Não sei.
Susto!

Que veneração é esta?
Esqueci de acender uma vela...

Por que tentará de novo?
Para testar se ainda há sangue em minhas veias.

Que terá extinguido sem maior aviso?

Não preciso de tua ajuda
Plantarei tudo sozinho. E colherei.

O amor é um rosto confuso escondido atrás de um lenço coloridono inverno de Londres.
Você sabe que ele está lá,
Mas não o desvela por pena - o frio pode fazê-lo adoecer.

Não.

O amor é um igarapé de cuja matriz ressurge a tua vida.

Adriano Gustavo di Andrade

sábado, 11 de setembro de 2010

Tolice - 11/09/2010

Tolice no meio do que me é brilhante. Achei que pudesse atravessar o seu aniversário e que poderia ver seu sorriso, enquanto as palmas fossem ouvidas. Esse adeus dado não passa do desprezo que estamos inflingindo uma ao outro. Tu és infame ainda. Queria comer desse prato e tentar inalar o cheiro que te era estranho, mas não teve substância suficiente para sustentar a porta que te abria diante do seu minúsculo conhecimento. Malas feitas, ticket comprado, parcela somada na gaveta das desilusões, saia, empurre a minha presença de seu lado, mas não misture o que não és ao que já conquistei. Tivesse uma palavra de verdade e eu seguiria pela estrada de areia seca sobre a qual construí o meu repertório. Quando voltares, tenha um olhar mais claro, limpe a ponta dos seus dedos e o vocabulário usado no seu cotidiano insípido. Dirija-se a mim com a força dos passos de um titã. Desse seu feudo, não quero parte nenhuma. Isso é miséria demais pra mim. Quando as torres gêmeas de sua estrutura crítica ruírem, não me chame para estar nesse aniversário. Eu não estarei lá. Tampouco farei parte da composição desse retrato em branco e preto. E da montagem do seu ibá sem fundamentos. No meio de tanta guerra, basta pra mim, olhar o meu umbigo e não ir tão longe senão você NUNCA me alcança. Não olharei pra trás. Tente manter uma distância segura de não cair no meu colo e abandonar a pouca crença que te resta em si mesmo. Essa tolice tranformou-me em hébrio. Dopado e com riso de fato, perdi o passo daquela última dança - a melhor - aquela que se dança sozinho - e agora fico à espera dos seus braços para conseguir um único mover.

Adriano Gustavo di Andrade

sábado, 28 de agosto de 2010

Amarga é a vida: doce palavra. 28/08/2010

Essa rapsódia cantada no final de agosto lançou-me ao chão.

Cobri-me de um manto pesado e pensei em você para não tornar minhas palavras ordinárias,
Mas busquei a finitude expressa no que posso alcançar agora.

Tornamo-nos tão parecidos uns aos outros (buscamos isso), para amenizar o ódio que sentimos entre nós.

Não havia lágrima, mas dor - espasmo sem cura.

Uma voz sentida sem a visão de palmos a frente.
A geradora de tudo presa em seu ofício mínimo. Ele que nunca chega. Eu inútil, ingrávido, insoluto.

Ego - ísmos!!!

Apelei para as palavras, em cujo caminho me perco, trazendo aos que as leem conforto e açoite.

O trabalho de um poeta é domar esse bicho selvagem: por mais que se tente, que se levante, que se desprenda, está de volta ao mesmo circo. Torna-se resultado de um aplauso do desprezo.

A vida se nos apresenta com a cor que ela bem entende. Por mais hábil que sejas, seus pincéis não a alcançarão.

Com a miséria em um dos bolsos e a permissão no outro, andamos o dia-a-dia, procurando o próximo a quem bofetearemos por um menear dos lábios a sorrir em troca.

Condenamo-nos a uma vida intermediária:
Amargura, livra-me disso.

Que tempo é esse, deuses mortos, em que tentamos nos agarrar à salvação orada, entretanto nossas unhas são demais frágeis e nos deixam seguir caindo?

Que relação é essa que te faz gozar tanto sobre o meu sangue?

Doce palavra,
Vem à luz
Estou pronto para pari-la,
Ainda que, para isso, deixas a minha existência com sequelas pela falta da substância voraz que nos torna torpes e iguais.

Amarga é a vida.

Adriano Gustavo di Andrade

Rebelião do poeta - 28/08/2010

Na idade da razão, o poeta se perde em dúvidas.

Olha para todos os que vieram ao seu encontro e, feito Blimunda, enxerga suas mazelas internas.

A cabeça me doi agora, mas até essa dor se desfarça. Não se revela para mim.

Eu tive coragem de devorá-lo, enquanto seus olhos brilhavam para cegar o meu amor.
Com perícia militar, barrei suas intenções e reprimi a mensagem que se esforçava por me fazer engolir. Ao final da volúpia, você já me era partidário e seguiria conforme minha guia.

E na festa, fiquei tão sozinho... Eram muito confusas as cores, os sabores, os cheiros, as milhares de formas que as pessoas encontram para elevar a sua verdadeira intenção.

Mas não me rendo.

Apesar de ter estendido minhas mãos, de ter liberado alguns segredos e de ter dito a verdade, o que eles buscam é o lixo. Daqui não consigo passar.

Vem-me a tristeza e se instala como fazem as ervas hospedeiras. Eles repetem o comportamento das ervas. Eu, o das árvores. Contudo, minha seiva é hiperalergênica - logo se desprendem.

Do sabor intenso e distante desse mel, você já provou, bebeu, embriagou-se e não reservou nada. A matéria orgânica ficou desorganizada de tal maneira que retornou às fileiras que tanto tentei te preservar.

E eles dizem que me amam. Vêm e me tentam fazer de amálgama ao seu caráter cariado. Tentam me impressionar com uma linguagem estranha e patética.

E eu sorrio e choro. O desespero me toma conta, porque um de nós se trancou e lançou as chaves no domínio de um conhecimento que não posso alcançar.

Chegou o tempo em que tento te falar palavras simples e próprias ao que você quer ouvir, mas meu silêncio pesa tanto que prefiro te declarar na mais fina sintonia o que não pode ser esquecido nos arquivos da nossa solidão...

Não mexa no meu futuro.

Adriano Gustavo di Andrade

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Vazio de deus - 09/07/2010

Na mesa, onde não se alimenta nada senão a nescilidade humana,
Estendo minhas mãos, examino-as, esfrego os olhos por não aceitar o que vejo e,
Quando recobro a visão, são as mesmas pedras desenhando a rota que um condenado traçou.

Sem o cigarro incendiador do câncer e da imaginação,
Sem o fermentado que me tiraria a sensação do peso,
Sem, ao menos, uma xícara de café a me enganar o amargo real,
Estou estacado. Aliás, crucifixado na prateleira de uma biblioteca deserta.

O que eu poderia ter dentro dessa bagagem, cujo uso não tem sido outro senão o do atendimento escravo aos prazeres e ao sustento?

Nem canto mais.
A música vazou pelos instrumentos todos e não entrou na sintonia fina do meu futuro.

Aliás, no meio do acorde que me esfacelaria o corpo,
Entrou um deus abandonado, quando ainda era criança, e começou a me questionar viscissitudes.
Dei-lhe um peteleco e ordenei que procurasse sua mãe.
Ele me respondeu com um olhar de vidro - tal brilho confuso - que não tinha mãe, pai nem ninguem...
Disse-me que era o início de tudo e que, por ter sido esquecido, embora adorado, só poderia nos ensinar a dor.

Sua entrevista comigo tinha o intento de que eu lhe provesse algo além de seu Universo.
Mas como poderia?
Meu corpo não foi renovado...
A musa que me escalpelaria vivo, quando fitou-me os olhos, declarou:

Deus de dor,
Este profano pagão é meu filho!

Vítima da solidariedade da mulher, segui cego por uma estrada enfeitada com códigos de restrição.

Já perdido em minha própria hibernação,
Libertei um infeliz desgraçado da brincadeira com as outras crianças,
porque suas mãos não sangravam e era requisito mínimo - para integrar a ciranda -
Que a marca da dor estivesse expressa.

No centro do estudo estávamos eu e ele.

Bêbados, intrusos e gerentes estavam todos despidos, mas assumiram a sua posição.

Exausto e solto de volta ao dia-a-dia,
Entreguei os pontos e o meu corpo.

Os livros permaneceram comigo,
Guardados onde vocês não conseguirão me furtar,

Mas acalmai-vos, aos poucos lhes revelo.


Adriano Gustavo di Andrade

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A morte tambem quis ler Saramago - 18/06/2010

Li, certa vez, que a morte prefere a alma que a espera sentada. Quando uma alma está deitada ou em pé - de tão afoita por morrer - a morte tem maior trabalho para executar o seu papel.

A morte confidenciou-me que gostava de ler.

Fiquei tão contente com ela, que prometi esperá-la sentado e lendo um bom livro. Ela sorriu-me estranho.

Em 18/06/2010, aniverário de Maria Bethânia e morte de José Saramago foi um dia em que recebi muitos telefonemas, e-mails e mensagens.

Com a morte de Saramago, a Literatura perde um de seus maiores escritores de expressão da "última flor do lácio". Meus amigos relacionaram-me, diretamente, a este fato. Orgulho-me.

Cansada de sua biblioteca convencional, a morte aproveitou-se do cansaço de Saramago diante de todas as suas descobertas e, enquanto ele estava sentado, de-lhe um abraço final e irresistível. Ele tentou evitar, porque não gostar do pretérito imperfeito - estava - ele gosta de estar.

Mas, no entanto e contudo, a morte queria ler Saramago com exclusividade.

Adriano Gustavo di Andrade

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Do amor que não chega - 12/05/10

Tornei-me um Otelo,
Um Bentinho, em plena era do descarte total e da exposição em que vivemos.
Um “clic”, uma ligação, um “torpedo” e pronto! As dúvidas febris estão concretizadas em certeza.
Facilidades demais no atacado do sexo.
O amor não se encontra mais; nem no varejo.

Eu invoquei a chegada de um amor nobre.
Indiquei sua entrada por sobre um tapete vermelho,
Mas ele achou que poderia desfilar sobre meu orgulho, sobre o meu respeito.

Este amor tinha a permissão de entronar-se em minha sala principal,
Mas não sentar-se em meu brio, em minha “imago mundi”.

Ele deveria respeitar os meus livros e as palavras doces que estavam reservadas para se concretizarem num poema,
Mas não.
Desdenhou meu conhecimento, dopou-me com absurda estupidez e QUASE cegou-me com sua ignorância.
Continua, esse amor, a não saber me ler?

Ouvi suas promessas proféticas,
Suas austeridades em nome de um amor,
Seu sorriso incompleto, sua prematuridade.
Adicionei-os ao meu cotidiano de terra e o transformei em ar.
Fora do chão, sem asa – pobre humano inabilidoso que sou – perdi o total controle e flutuei veloz e louco feito mariposa recém nascida.

Tragicomédia horrorosa e miserável todas essas tentativas.

Procurei por ele nos sebos da cidade,
Nas salas escuras, tentei senti-lo,
Nos balneários, nos cadastros, nas listas...
Encontrei-o.
Acreditei nisso, mas era um engodo – fábula da raposa que perdera alguns pelos, mas NUNCA os vícios.

E eu que havia aprendido a dissecar minha própria carne,
Segmentei-me em filets,
Descartei todas as sobras, ossos, gorduras, nervos
E me compus da melhor peça para seu desfrute.

Ofereci-me tal carne com seu único valor num balcão de açougue em feira livre.

E ele que não aprendeu nada, senão a prática da reação à investida da verdade e do amor,
Fugiu de medo, atormentado pela possibilidade de viver o uno – já que é duo.
Lançou-se de volta à sua caverna, de onde vislumbra o mundo,
Mas não interfere em nada.
Ele poderia, mas não faz, porque entende que é minúsculo demais,
Quando o que produz é menor ainda.

Adriano Gustavo di Andrade

quarta-feira, 24 de março de 2010

Cerejeiras em flor - 25/03/2010

As cerejeiras estavam floridas, quando Yu se deu conta de que era observada por Rudi.
Tinha-se passado o inverno rigoroso do Japão e, veja só, havia flores novamente, nos galhos da árvore que, há pouco, tinha-se a impressão de que era um fóssil morto e enregelado.
Algumas pessoas são exatamente assim: assoladas por rigorosos invernos assumem uma aparência triste, feia, de derrota mesmo, mas fazem como diz Cecília Meireles em um de seus textos: "aprendi com a primavera a deixar-me corta e voltar sempre inteira"...
Enfim. O que poderia significar essa postura, essa realidade. Por uma dessas vias, poderíamos entender que, assim fazemos, para testar a vida e a morte do que reside em nossos ciclos. Por outro lado, estaríamos praticando - porque somos obrigados - o recomeço.
Mas as cerejeiras parecem voltar cada vez mais lindas a cada ciclo, é como se a substância que lhe dá cor, forma, viço se potencializasse a cada nova morte...
10, 20, 30, 40 ... 100 anos de idade e estamos aqui ainda, acordando no meio da noite e amando o nosso amor, olhando a lua e imaginando algo bom, deitando e orando pra que tudo passe bem no dia seguinte.
Ah! Seria melhor se a máquina não nos tivesse invadido o espírito.
Estou certo de que veríamos o sorriso da entregadora de jornais, a devoção do rapaz na Avenida Paulista ao alimentar uma cadela abandonada, raquítica e machucada. Ele ajoelhou-se na calçada, abriu sua mochila e alimentou a cadela como se fosse uma criança.
E as cerejeiras?
Yu comunicava-se com sua falecida mãe, através da arte da dança Butô. Ensinou o mesmo a Rudi. Ele tambem tinha perdido o amor de sua vida e, desde então se travestia com as roupas dela, tentando recuperar tudo o que fora seu passado . Aprendeu com tal maestria que enlaçou-se com ela a ponto de, tambem, fundir-se com o Universo.
As cerejeiras foram, durante todo esse intento, o cenário, a moldura para o quadro que se pintava e que, agora, pertence ao mundo.
As relações humanas são assim: emolduradas de flores, sempre. A diferença está na dor. São flores dos anos, dos desenganos, dos sacrifícios todos. E tem a flor do erro, quando esperamos que o outro nos seja fiel e ele foi traidor.
Importa aqui Rudi e Yu que me ensinaram a dançar.
Importa o olhar desinteressado daquela mulher que me acompanhou em tudo e não me exigiu nada em troca, importa a experiência e a eloquência dessa outra mulher que diferencia o idioma vez ou outra, tenho por conta, também, os cabelos cheirosos e a atenção devotada desta negra linda, os exageros e receios de vida dele com seus olhos vermelhos, a amizade desmascarada e cuidadosa do outro que me beijou o rosto só no último dia, a vontade de estar próximo, aprendendo, de mais um dos três homens. São três as mulheres da minha defesa. São três os homens da minha redenção.
E é pleno o braço que me prende o choro, diante da beleza exposta pela sétima arte. No cinema, estava ele que me ama e que não consegue esconder isso, quando me fita os olhos.

No mais, são alimentos aos porcos. Cedo ou tarde haverão de ser defecados.

Adriano Gustavo di Andrade

domingo, 14 de março de 2010

Exercitando uma das condições a que fomos lançados, fui, sozinho, ao cinema. Assisti ao filme "Preciosa". Uma verdadeira história de todos nós que, em algum momento, somos massacrados por um sistema padronizador, em cuja política maior a exclusão é a palavra de ordem.

A condição a qual me refiro é a solidão.

Sim, tentamos fingir que não. Que há pessoas demais ao nosso redor, que os "amigos" estão a nossa espera e desejosos por nos encontrar, que a família, que o namorado, que fulano... etc.

O fato é que estamos sós.

E não me venha com o ideário cristão de que Deus está conosco, porque não é disso que estou falando. Se fosse falar disso, trataria logo de abrir uma incisão no peito do "crente", que amarga, em silêncio, a solidão que, também, demasiadamante sofre.

Sofre? Não entendo dessa forma. Entendo o ser e não o estar.

Somos sozinhos. E não há dor ou prazer que se divida, senão na superfície.

O filme é magnífico. Não há como contestar isso. Senti, mais uma vez, vergonha da minha condição de humano e por fazer parte dessa raça tão racional, que refinadamente transforma as suas vidas e a de terceiros em infernos propagados pelos inconsciente coletivo.

A menina "Preciosa", talvez tenha de precioso, unicamente o prazer que deu ao seu pai que a violentou desde a infância. Talvez tenha de preciosa a sua figura horrenda e gorda, a qual as pessoas se dirigem com sarcasmo e sadismo. Talvez, ainda, tenha de precioso o seu coração, pois, mesmo no meio de uma vida desgraçada, ainda teve o ímpeto de viver.

Preciosa nos encanta com o olhar já que sua voz foi roubada por fatores que ficam por nossa conta entender. E sem voz é como sem ar. Digo, é como inexistir sem a expressão do que comunica. Ela quase se torna um objeto desnecessário e obtuso. Seus olhos a salvam.

Eu, na sala do cinema quase vazia, refletia sobre estar só. Na metade da película, simplesmente dei minha mão à garota, irmanando-me em sua desgraça, abandonando as pretensões de tesão, de prazer, de tranquilidade e bem estar e retornei ao meu EU, cuja soma é feita dessa substância que recusamos, encerrando-a no fundo do aquário, mas que, queiramos ou não, nos resulta.

Adriano Gustavo di Andrade

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Estou a sua espera - 13/01/2010

Estou a sua espera,
E você tem chegado sempre,
Mas,
Quando isso acontece,
Sempre me alcança na periferia, no subúrbio...

Intermediários.

Espero a sua entrada para ocupar o lugar de honra,
Perpassar sobre o tapete vermelho,
Tomar do melhor champanhe,
Refrescar-se com o flabelo,
Entronar-se como rainha eleita
Não como um bobo a me fazer rir.

Estou à espera da sua mão pesando sobre a minha,
Enquanto percorro o caminho em direção ao cotidiano.
Olho, por uma vidraça intransponível, tudo com substância idêntica, mas com nome mudado.
Se me doem as paisagens,
Eu que me estremeça nessas paixões e retorne à cama vazia,
De onde você saiu
Onde, agora, dorme um abismo impossível de se sustentar.

Estou à espera de você. E é amor o que espero.

Não permitas que suas pupilas tremam diante do meu olhar
Nem que sua respiração se altere
Ou que seu suor escape por entre seus cabelos a inundar seus olhos.

Quero a tua fibra viril,
Quero a tua certeza de bandeirante desbravador
E quero, ainda, mas não por conclusão,
o teu rosto lívido e impávido, diante da meu sedutor impulso.


Estou exausto e já vaza pelos poros o resto da memória do meu último amor.

Estou faminto e já não cabe mais angústia num coração desolado.

Estou farto... mas quando declaro isso, o botão já foi apertado. Tarde!

Continua a dança, a andança, a erração.
Com muletas, arrastando-nos, rastejando-nos em comunhão com a sarjeta
Seguimos com este intermediário que nos restou.

E o grande monarca,
Aquele que nos tomou o coração e nou deu lata
Aquele que nos assaltou o bolso e o brilho dos olhos
Este que nos batizou os pés sob águas pagãs de um monte cristão
Continua a engordar suas forças com o alimento que extrai das forças do nosso trabalho
E do sangue que corre no meio da nossa saudade.

Estou a sua espera.

Adriano Gustavo di Andrade